Árvores da mata atlântica (Foto: Guilherme Frota)
Empreendimento imobiliário derruba quase 400 árvores na Tijuca
O número de autorizações para a remoção de árvores para construções privadas na cidade do Rio de Janeiro é o maior em 8 anos.
Por Carol Mendes
Moradores da Tijuca aguardam a decisão judicial sobre uma denúncia, ajuizada em 2021, contra a derrubada de cerca de 400 árvores por um empreendimento imobiliário erguido na antiga área do Colégio Batista, na Rua Homem de Melo 169, no bairro.
O caso da Rua Homem de Melo não é uma exceção. Em 2023, o número de autorizações para a derrubada de árvores foi o maior em 8 anos — foram retiradas 11.730 árvores na capital fluminense, segundo levantamento realizado pelo RJ1, o equivalente a um aumento de 180% em comparação com os anos anteriores.
O empreendimento em questão, um prédio de escritório do Fundo de Investimento Opportunity, se situa próximo ao Parque Nacional da Tijuca. De acordo com a petição pública, que já acumula mais de 11 mil assinaturas digitais, além do grande impacto na vizinhança, há uma descaracterização do entorno de uma construção antiga e tombada. Famosa pela arborização e presença de animais silvestres, não por acaso, a rua Homem de Melo tem o IPTU mais caro do bairro da Tijuca, de acordo com levantamento do Sindicato da Habitação.
A ação popular na Tijuca uniu moradores da região, dentre biólogos, geólogos, engenheiros, advogados e estudantes de direito que participaram em diferentes fases do processo judicial denunciando irregularidades na construção de um novo prédio de escritórios em uma área deentorno de bem tombado (AEBT).
O advogado tijucano Bernardo Gonçalves Monteiro, ficou responsável pelo caso contra o Opportunity junto a outros dois defensores públicos voluntários, também moradores da região em torno do empreendimento formada pelas ruas Andrade Neves, Uruguai e Visconde de Cabo Frio, muito utilizadas para exercícios ao ar livre, caminhadas e corrida.
“Ajuizamos a ação denunciando os abusos do Opportunity na forma como estavam removendo a vegetação e pedimos ao juiz acesso aos processos administrativos de licenciamento ambiental. A Prefeitura apresentou- nos autos cópias do processo de licenciamento, que nos permitiram levar as nossas denúncias a outro patamar, pois aos poucos descobrimos que, além de o Opportunity não cumprir as condicionantes da licença, a Prefeitura também deixou de cumprir a lei ao concedê-la” - explica o advogado.
Para o advogado, a construção não deveria ter sido permitida pela Prefeitura, uma vez que a lei ambiental protege áreas com nascentes, áreas de entorno de bens tombados e com risco à fauna e flora local. Na localização escolhida para construção, foram constatados todos os itens citados.
Protetores das Árvores
Cerca de 150 moradores também protestaram — sem sucesso — em frente ao terreno, pedindo a interrupção do desmatamento. Hoje, parte dos que se manifestaram formam um grupo de tijucanos autointitulado “Protetores das árvores”. O grupo realizava o plantio de árvores nas calçadas, no entanto, a retirada do apoio da subprefeitura do bairro ameaça a continuidade do projeto, que existe há pouco mais de três anos.
“Antes, a atuação da Fundação Parque e Jardins (FPJ) era exemplar: se uma árvore fosse removida por qualquer motivo, era logo substituída. Eu mesmo solicitei o plantio de várias e fui prontamente atendido pela FPJ. Atualmente, quem cuida delas não é mais a FPJ, mas a Comlurb que, na maioria das vezes, cimenta o local ou cota tocos rente ao chão, dificultando o plantio de uma nova muda” - observa o morador e membro do grupo de protetores, Mário Rezende, que reside na área da Tijuca há 30 anos.
O diretor da Comlurb, Marcello Deschamps, clarifica que os casos nos quais é permitida a remoção de árvores são poucos: quando uma árvore se encontra morta ou se é identificado alto potencial de risco de colapso estrutural identificado em laudo técnico emitido pela Defesa Civil. Marcello explica ainda como é feito o manejo do corte de galhos e árvores:
“A Comlurb recebe as solicitações de manejo através do canal 1746. A cada solicitação que é feita, é gerada uma vistoria técnica por um engenheiro florestal ou agrônomo responsável na qual é verificada se a árvore necessita ou não de manejo. Caso seja constatada a necessidade de manejo, é elaborado um laudo técnico que descreva o objetivo e o tipo de manejo que deve ser efetuado na árvore. Só então, esse manejo é inserido na programação.”
De acordo com nova lei sancionada em 2023 (lei n. 7988), no caso de remoções completas, a pessoa ou organização que pede a retirada também passa a ser responsável por replantar outra árvore, de espécie indicada pela prefeitura.
Questionados, outros membros do grupo de protetores das árvores, cujas identidades serão preservadas, afirmam que consideram até mesmo se mudar do bairro da Tijuca em razão da poda excessiva de árvores, sem reposição.
“Em frente ao meu prédio havia 4 árvores de grande porte. Duas foram removidas e não foram substituídas. Nas ruas vizinhas, várias árvores têm sido cortadas pela base, sem replantio pela Prefeitura” - compartilha um dos membros da comunidade.
Jurisdição atual
Há época do início da construção, quando procurada pela imprensa, a assessoria do Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário divulgou em nota: “o endereço do terreno em questão é Rua Helion Póvoa, 107, com entrada também pela Rua Homem de Melo, 169.A placa da obra foi colocada, inicialmente, na Rua Helion Póvoa e depois transferida para a Rua Homem de Melo, com o objetivo de dar maior visibilidade à licença do empreendimento, que conta com todas as autorizações necessárias dos órgãos competentes.”
Quase 3 anos depois, a ação popular se encontra em tramitação na segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).
“Nós temos uma das mais avançadas e rigorosas legislações ambientais do mundo. Mas a Prefeitura desconsidera a lei e a urgência climática para favorecer a especulação imobiliária.”- conclui Bernardo, a respeito das prioridades que têm sido dadas no município do Rio de Janeiro.
Até o momento, a reportagem não obteve resposta do Opportunity acerca do andamento da construção e replantio de árvores assegurado por lei.