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De um lado o Jardim de Alah ainda antigo e do outro o inícios das obras para a revitalização
Jardim de Alah: a falta do meio termo entre o velho e o novo
Projeto de concessão por 35 anos está assinado, mas a falta das licenças e as reclamações dos moradores fazem essa história ainda estar longe do fim
Por Gustavo Santos
Localizado entre os bairros de Ipanema e Leblon, o parque Jardim de Alah está presente na vida do carioca desde 1938. O nome é uma referência ao filme “O Jardim de Alá”, lançado dois anos antes da construção. O local conta com um canal que faz o encontro da Lagoa Rodrigo de Freitas com a praia e que foi construído antes do jardim. Inaugurado em 1922, o objetivo da obra era renovar as águas da Lagoa e torná-la mais salubre. Mesmo com uma história quase centenária, o parque tem recebido muitos questionamentos e críticas durante os últimos anos devido ao seu estado de abandono e da presença de poucos visitantes. Agora, quase um século depois de seu nascimento, justamente por essas razões, a prefeitura decidiu abrir uma concessão para a revitalização do local.
O consórcio Rio + Verde, do grupo Accioly, venceu a licitação e ficou responsável por investir mais de R$110 milhões em melhorias e outros R$20 milhões por ano para manutenção e operação do espaço pelos próximos 35 anos. De acordo com os moradores, essa obra não deveria ser permitida, já que o local é tombado e por lei não permite grandes modificações. Além disso, eles afirmam que o projeto levará a uma grande descaracterização do parque e de uma retirada de quase 100 árvores. Já o consórcio diz que o projeto não trará destruição, mas ampliação da área verde e diversos outros benefícios para os cariocas e para os turistas.
Presidente da Associação de Moradores e Defensores do Jardim de Alah, Karin Morton, de 60 anos, ressalta que os moradores são a favor de uma revitalização e de parcerias públicas e privadas que sigam as leis. Apesar do contrato do projeto já estar assinado, ainda faltam algumas licenças (ambiental, patrimonial e urbanística) para que as obras possam ter início. Os residentes dizem ter esperança de que os órgãos públicos e os técnicos envolvidos olhem com atenção e modifiquem o projeto para diminuir o impacto no meio ambiente e na vizinhança. De acordo com Karin, o problema dos moradores é exclusivamente em relação ao projeto em andamento, uma vez que essa proposta de concessão começou errada desde o edital.
“Nós começamos questionando o edital que já deixou claro que vai ser um shopping. Por que obrigou a ser 7 mil e 500 metros quadrados de ABL (Área Bruta Locável). O Shopping Leblon, por exemplo, tem 100 mil metros de construção e só 23 mil metros de ABL. 7.500 de ABL é um andar inteiro de lojas do Shopping Leblon. Eles tiraram essa obrigação mínima no último momento disponível, mas estava lá até aproximadamente duas semanas antes da entrega. Você poderia fazer a construção que quisesse”, lembrou Karin.
Por outro lado, fontes da prefeitura contradizem a versão de Karin e reiteram a importância do projeto. Segundo Dandara Sousa, da equipe de comunicação de Tainá de Paula, vereadora do PT no Rio de Janeiro e ex Secretária Municipal de Meio Ambiente e Clima, o fato da retirada da obrigação mínima deixa claro que os envolvidos no projeto estão escutando os moradores e fazendo de tudo para que o projeto cumpra os objetivos previstos na revitalização.
“Nós queremos que esse projeto traga o Jardim de Alah de volta à vida. O parque ficou muito tempo abandonado e não pode continuar assim. A revitalização não vai trazer apenas quiosques com bares e restaurantes, mas também muitos benefícios para os moradores de Ipanema, Leblon e da Cruzada. Colocaremos mais área verde, duas quadras poliesportivas, uma área para shows, um museu a céu aberto, uma creche pública, novas pontes sobre o canal, melhorias das ciclovias, um espaço infantil e um espaço para a terceira idade”, enfatizou Dandara.
Abandono do Parque
Apesar de o prefeito Eduardo Paes ter dito em novembro de 2023 que os moradores da Cruzada e do Jardim de Alah não utilizam o parque, e que a partir da revitalização eles vão voltar a se encontrar, Karin, assim como seus vizinhos, culpa a prefeitura por isso. A administradora diz que a baixa frequência se dá por conta da retirada de brinquedos e quadras que aconteceu antes da obra do metrô.
“Estão criando na verdade uma barreira, uma parede. O pessoal da Cruzada também não está a favor. Antes era muito frequentada, mas ainda tem algumas pessoas que continuam indo, principalmente para passear com os seus cachorros. A escola pública em frente, por exemplo, continua fazendo o recreio no parque todo dia, o que antigamente fazia nas quadras.”
Fim do Tombamento
O fato da área do parque ser tombada faz com que a previsão no projeto de que ela será elevada para três metros acima do nível da rua incomode os moradores, o que eles consideram como uma mudança irreversível. Os residentes entendem que se o tombamento não foi respeitado nesse local, não será em outros também. Outro questionamento é porque as vias de acesso a Epitácio Pessoa serão fechadas, visto que o trânsito é muito grande e com isso tende a piorar. Além de preocupações em relação às questões sociais, já que eles questionam porquê as quadras poliesportivas, a área dos cachorros e o playground principal vão ser feitos do outro lado do canal.
“A gente pediu algumas coisas básicas. A mais básica era trazer as quadras de volta para dentro da praça, na área que seria para shows e eventos. Pra que shows e eventos em uma área aberta? O pessoal já reclama do Jockey. A primeira casa que reclama do Jockey tem 1km de distância, aqui tem 20 metros. O Jardim de Alah é uma concha acústica, quando tem uma discussão ou até uma festa com caixa de som, parece um baile funk no nosso apartamento”, reclamou Karin.
Em contrapartida, a prefeitura fala que a área para shows aumentará o lucro da cidade com atividades culturais e atrairá mais gente ao parque. Sobre os questionamentos do fim do tombamento, do aumento do trânsito e do local das diferentes áreas de lazer, Dandara disse que tudo está previsto no projeto e que existem sentidos e soluções para tais ações.
“O fim do tombamento era necessário para podermos trazer de volta o parque a ativa e fazermos as mudanças necessárias para isso. Em relação ao possível aumento do trânsito, estamos trabalhando com uma ideia para que isso não aconteça e algumas ruas possam ter suas mãos invertidas. Os locais das áreas de lazer serem mais afastadas dos moradores do Jardim de Alah vão ser justamente para deixar o parque mais inclusivo, visto que essas áreas estarão mais próximas dos moradores da Cruzada”, pontuou Dandara.
Longevidade do Contrato
Uma outra grande preocupação dos moradores é sobre o contrato de concessão de 35 anos com a Rio + Verde, que ainda tem o direito de renovação para mais 35, o que pode fazê-lo chegar a 70 anos ao todo. Karin Morton trata o tempo de contrato como irreversível e questiona quanto tempo vai durar para os responsáveis pelo projeto tomarem atitudes que antes prometeram não tomar, como por exemplo não construírem quiosques e estruturas em cima de lajes. Além de não ter nenhuma garantia de que os programas sociais que foram prometidos serão mantidos, já que, segundo ela, não existe ônus para essa concessão.
“35 anos é quase uma vida. 70 anos é uma vida. Porque uma vez que a lei orgânica não tem mais a proteção de tombamento, vale tudo. Com a mega estrutura que eles estão fazendo no Jardim de Alah, nada impede de, por exemplo, virar um prédio de cinco andares, tem estrutura pra isso. O prefeito atual pode falar que não vai deixar, mas o próximo pode acabar deixando”, lamentou a administradora.
Foco na Área Verde
Das três propostas que foram feitas pela renovação, os moradores gostaram de duas: a da empresa Magus e da empresa Duchamp. A primeira era transformar o parque em uma mistura de um parque de cultura, de arte e de esporte. A segunda era fazer uma área de esporte e lazer, com área de ginástica e quadras. Para a presidente da Associação de Moradores e Defensores do Jardim de Alah, essas propostas foram interessantes visto que elas têm muito a ver com o carioca, que ama esportes e lazer.
“O foco deveria ser a área verde e as áreas de esporte já que existem diversos estudos que ressaltam a importância desses dois aspectos para a saúde mental das pessoas, quando você frequenta uma área verde você sai um pouco do caos da cidade. Se você baixar o estresse das pessoas e melhorar a saúde mental, você baixa o custo no SUS por exemplo, é tudo uma bola de neve.”
Funcionária da equipe de comunicação da vereadora Tainá de Paula, Dandara voltou a afirmar que um dos focos do projeto é o aumento de áreas verdes. De acordo com ela, a porcentagem disso ficará próxima a 30%. Já a recuperação de jardins contará com o incremento de 40% das espécies de árvores - 206 no total.
“Sabemos a importância da área verde do Jardim de Alah para os moradores, para os visitantes e para os turistas, por isso fazemos questão de aumentá-la, mesmo que de maneiras diferentes das que estão atualmente”, ressaltou Dandara.
Polêmica das Faixas
Outro ponto importante desse conflito entre prefeitura e os moradores foram as faixas pretas penduradas no parque. Desde que foi anunciada a abertura da concessão, os residentes colocaram faixas pretas com protestos contra a prefeitura e a concessionária Rio + Verde. Elas foram amarradas nas grades do jardim, e segundo a presidente da Associação de Moradores e Defensores do Jardim de Alah, elas chamaram a atenção desejada.
“Muita gente que não sabia sobre o caso acabou descobrindo. Infelizmente essa concessão se achou no direito de arrancar essas faixas, o que é contra a lei já que a praça continua pública e temos o direito de manifestação”, reclamou Karin.
Abraço Coletivo
Karin ainda lembrou de outra ação, como o abraço coletivo em defesa da “Restauração sem Descaracterização” em 2022, que fez mais de 500 cariocas saírem cedo da cama em um domingo. Nesse dia foi realizado uma pesquisa das três coisas que as pessoas mais queriam e das três coisas que elas menos queriam no Jardim de Alah. No total foram obtidas mais de 300 respostas.
“Nós pegamos essas respostas e tornamos a posição da associação baseada nelas, para lutarmos em busca de melhorias e de mais áreas verdes, como foi pedido pela grande parte das pessoas. Começamos esse esforço para termos um diálogo, mas todas as audiências que tivemos foram armadas. Na consulta pública fizemos vários questionamentos, mas todos foram indeferidos”, lamentou Karin.
Enquanto o projeto não recebe as licenças necessárias para o início das obras, o embate entre a prefeitura e os moradores segue com muitas dúvidas, ataques e questionamentos de ambos os lados. No momento, a justiça do Rio mantém suspensas as obras de revitalização do parque por verificar risco de descaracterização do espaço. Essa decisão foi mantida pela 6ª Vara de Fazenda Pública no dia 26 de abril. A última novidade sobre o projeto foi uma audiência pública para debater a revitalização, que aconteceu no dia 6 de junho. Ainda não dá para afirmar como será o final dessa história, mas uma coisa é certa: o Jardim de Alah nunca esteve tão disputado como atualmente.