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Em poucas décadas, a milícia cresceu na comunidade do Tirol e impacta os moradores. (Fonte: Agência Brasil)

Refugiados da violência urbana

O crescimento dos principais grupos armados no Rio de Janeiro forçou as pessoas a procurarem a sorte em outros bairros

Por José Esteves

Desde criança, Marilena (nome falso) morou em Ramos: cresceu em uma casa grande de quatro andares e conheceu lá seu namorado que se tornou marido. Se mudaram para Olaria em 1984 e tiveram seus dois filhos no final da década de 80. No final da década de 90, a situação ficou impossível para a dona de casa. Histórias de balas perdidas e violência urbana se tornaram mais frequentes. Amigos eram assaltados ou passavam perto de conflitos armados. Mesmo com essa situação diária, o conto de terror vinha mesmo era da empregada, que morava em Jardim Paraíso, em Nova Iguaçú.

 

“Ela ficava lá em casa de segunda a sexta, porque tinha horário para chegar onde ela vivia. Ela tinha muito medo de fazer alguma coisa errada, incomodar alguém. Ela sempre dizia que tinha muito medo.” lembrou Ione.

 

Em 2002, Marilena decidiu comprar um apartamento na planta em um bairro bucólico longe da violência: a Freguesia. Quando se mudou, era quase provinciano. Para pegar um ônibus, ela tinha que ligar para uma central que enviava um transporte. Táxi era raro. O silêncio era estranho para a família.

 

“Quando os vizinhos jogavam lixo na lixeira do prédio, minha filha mais velha perguntava se era tiro” riu. 

 

Logo depois, o morro que ficava no final da Rua Tirol, que tinha pastos ainda com vacas leiteiras que serviam aos moradores, se tornou cada vez mais favelizado e perigoso. Com a favela normalizada, começaram a surgir e a se falar das milícias, grupos paramilitares que controlam de forma indireta a vida das pessoas nas comunidades. Agora, Ione não sai mais de casa de noite. Resolve as coisas de manhã com pressa para evitar situações inesperadas. “Uma amiga minha morreu há uma semana atrás. Bala perdida. Era da minha igreja.”  

Mapa da Violência

De acordo com Daniel Hirata, sociólogo envolvido no Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, as milícias foram o grupo que mais cresceu nos últimos 16 anos: enquanto o Comando Vermelho e o Terceiro Batalhão duplicaram suas áreas de influência, as zonas controladas pelos milicianos se multiplicaram por quatro. “Isso tem a ver com o modelo de negócios que a milícia usa” explicou Daniel. “Eles usam da produção da própria cidade como a sua base de alavancagem econômica: imobiliárias, gás, internet, televisão a cabo, energia, transporte… as atuações de controle sem usar a força se tornaram um modelo viável”. 

Há 17 anos, o pesquisador se dedica ao estudo da segurança pública e o mapa é o resultado desse estudo. Através dos anos, é possível acompanhar as variações de controle dos grupos que ocupam, em 2023, 18,2% da área do Rio de Janeiro. Na opinião de Daniel, uma das vantagens de ter um acompanhamento desses é na criação de políticas públicas. “O mapa norteia a ação policial, mas além disso, a lógica do controle territorial armado impacta a vida cotidiana, impacta diversas áreas de atuação do poder público, das empresas e da sociedade civil.” O que preocupa o sociólogo é que as milícias são uma organização muito próxima dos poderes públicos, o que possibilita uma certa impunidade.

Essa era a realidade da dentista Daniela (nome falso), moradora de Rio das Pedras. Depois de um tempo de prática, conseguiu abrir uma clínica odontológica perto de casa. Desistiu cedo por causa da extorsão: assim que começou a clinicar, os milicianos bateram na porta e exigiram 500 reais por semana para manter a segurança do local. “Meus pais, que ainda moram lá, pagam 200. Eu já sabia que a situação ia ser ruim, então eu já estava de mudança. Não paguei e abri meu consultório fora de lá” explicou Daniela.

 

A expansão das milícias e o controle sobre a comunidade afeta a vida dela como moradora. “Agora com a ameaça do Comando Vermelho invadir e a resistência dos milicianos, o clima está muito tenso e quem paga é a população. Os valores têm sido absurdos, os moradores são obrigados a pagar 50 reais por semana por casa”. A ex-moradora também lembra de como era antes, quando o Inspetor Félix dos Santos Tostes, mantinha Rio das Pedras sob seu poder. “Foi a melhor época. Ele fazia o que os governantes nunca fizeram. Tinha paz na favela. Pensa num lugar seguro para se morar. Agora as pessoas são desconhecidas. Com arma na cintura à mostra, passam cobrando um valor por semana.” Além de imposto sobre a vida, também tem imposto sobre as mercadorias. “Isso é um outro problema que antes não tinha, agora a água, o gás,  a Internet, a luz, a farinha do pão, os ovos. Um dos meus clientes tem uma peixaria e os milicianos cobram dois reais por peixe vendido.”

Laboratório de Jornalismo I

Prof. Chico Otávio 

Rio de Janeiro, RJ, Brasil

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