No centro da cidade, um jornaleiro procurou soluções fora dos impressos para continuar no negócio
A banca de jornal do futuro
Mudanças nos hábitos dos cariocas fizeram os jornaleiros venderem de tudo – menos jornal
Por José Esteves
Há 24 anos, Luís Antônio Albamontes se tornou proprietário da banca de jornal na esquina da Evaristo da Veiga com a Senador Dantas, no centro da cidade do Rio. Quando começou, a função de jornaleiro era rentável; agora, Luís não consegue nem pagar todas as contas. Seu principal mercado são os doces, as bebidas e os quadrinhos japoneses, que ainda tem fãs interessados na mídia física. De jornal, vende vinte por dia. “Eu ainda tenho clientes que vem sempre por causa da minha tradição de manter a Folha e o Estadão, que as bancas não costumam ter.”
Essa é a nova realidade das bancas de jornal: tentar de tudo para sobreviver, de tabacaria a itens de colecionador. De acordo com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), o consumo de jornalismo impresso caiu 66% desde 2008. A queda já tinha se acentuado com a invenção dos celulares, que permitem o acesso a notícias em tempo real. Com a pandemia e o esvaziamento dos principais escritórios da cidade para o home-office, a manutenção das bancas de jornal se tornou um vale-tudo e os profissionais que trabalham nelas buscam novos mercados para continuar nas ruas da cidade. A principal saída tem sido a venda de bebidas: sempre tem uma geladeira nas quase 2100 bancas de no máximo 18 metros quadrados espalhadas pela cidade.
Para regulamentar as novas modalidades, a Lei Ordinária Municipal 3425 de 2002, que dispõe sobre as normas de funcionamento das bancas de jornais e revistas no Rio de Janeiro, foi alterada de olho nas práticas recentes. Originalmente, a lei permitia a comercialização de outros produtos que não fossem publicações, desde que acompanhada de algum material impresso. Com a Lei Complementar 224 de 2020, os jornaleiros se tornaram capazes de vender artigos de tabacaria, bebidas, doces e outros itens. A única limitação é que esse serviço não prejudique ou torne secundária a venda de jornais do local.
A Micaelle Lopes, atual locatária da banca Luarts Newsstand, na Senador Dantas, encontrou a solução na venda de acessórios para celular. Ela já tem duas lojas do tipo em Madureira e criou um novo ponto de vendas no centro da cidade, onde mora. Ainda há venda de jornais, mas o principal mercado da banca são carregadores e fones de ouvido, além de discos de vinil e algumas poucas revistas. “A gente até tem jornal de segunda a sexta, mas o normal é vender quatro edições por dia” explicou Micaeli. Ela também diz que planeja equilibrar mais o serviço com a venda de apostilas de concurso. “Vamos entrar nesse ramo, que eu acho que vai estar em alta”, completou.
O número de papelarias também diminuiu nos últimos anos e os poucos escritórios que ainda existem no centro precisam de impressões e cópias para funcionar. Felipe Carvalho, funcionário da banca que fica na frente do Edifício Edson Passos, viu nisso uma fórmula para manter a banca lucrativa: instalou uma impressora copiadora perto do caixa, que nunca para de trabalhar. “Xerox, impressão, envelope, pilha… vendo essas coisas miúdas. Tentei agregar o máximo de valor possível com o preço mais acessível”, ressaltou Felipe Carvalho, enquanto copiava um contrato para um funcionário do Edifício.
Bancas como a Musicanto, que fica na esquina da Av. Treze de Maio com a Rua Almirante Barroso, foram por outro caminho: se tornaram lojas de itens de colecionador. As estantes estão cheias de discos de vinil, CDs, DVDs e fitas cassette. “A banca já foi bem tradicional, mas com o streaming e a internet, a gente teve que se readaptar.” lembrou Sandro da Silva Borges, funcionário da banca há 8 anos. “Todos nós éramos apaixonados por música, então vimos nisso um plano de negócios”. Mesmo assim, eles ainda mantêm alguns materiais impressos para satisfazer fiscalizações da prefeitura. “Umas revistas aqui, uns fascículos ali, uns doces perto do caixa, mas o foco mesmo são os vinis, que trazem o maior retorno”, ressaltou.
Na mesma rua, Júlio Camargo trabalha na banca Antiguidades Cinelândia, que é voltada para os torcedores de futebol. Bandeiras, bonés, camisas, copos e faixas dos quatro grandes times do Rio de Janeiro vendem mais do que as bebidas que ocupam as geladeiras e as escassas edições de jornal. Ao contrário do Musicanto, as vendas do Júlio são mais compras de impulso do que planejadas. “As pessoas passam aqui, vêem o que eu ofereço, acham interessante e compram.” disse Júlio. “Ainda mais que eu vendo a um valor mais em conta do que as lojas oficiais de time, interessa muito ao torcedor”.
Publicidade
Algumas bancas lucram mais como painel publicitário do que com as publicações impressas. Desde 2000, Mônica da Fonseca é proprietária da HM no Leblon, uma banca que tem atrás um anúncio da Ecovilla no Jardim Botânico. “Atualmente, o outdoor é o que ajuda a pagar as contas, mais até do que a venda dos jornais.” ressaltou Mônica. Ela disse que já teve momentos melhores, mas que a venda de revistas aumentou nos últimos anos, principalmente as de nicho, como a Forbes e a Vogue.
A localização também influencia na qualidade dos contratos: as bancas da Zona Sul costumam receber bem mais ofertas de publicidade do que as bancas do Centro. De acordo com Carlos Augusto, proprietário da banca de jornal da Glória na Rua da Lapa há mais de 20 anos, sua banca é perfeita para um contrato de publicidade. Ele lucra com anúncios colados na parede, mas sonhava com a instalação de um painel luminoso de LED. “O outdoor ia ser uma publicidade de 3 a 4 mil reais por mês” destaca Carlos, que atualmente não consegue se sustentar apenas com o trabalho da banca. “O cara da publicidade até veio, para tirar umas fotos e analisar se valia a pena. Na hora que eu entrei na banca para finalizar a venda de outro cliente, assaltaram ele e levaram tudo. Claro que depois não quiseram mais fechar negócio”.